18 de setembro de 2007

a poesia / eduardo bettencourt pinto


solstício





a Eugénio Lisboa


Nunca se regressa do tempo mas dos espelhos,
lagos onde te debruças e espreitas o silêncio
do teu rosto.
Cada manhã lembram-te, como um severo juiz,
o órfão menino que foste.
No fundo dos olhos perderam-se as garças,
a clara e pueril sombra das olaias,
setembro cantava ainda sobre os ombros
ou entre as primeiras chuvas da tua vida.
Foi um instante: o lume que te levou
à alegria eterna de um momento
foi-se apagando nas mãos, oiro e pedra
da alma.
Até a paciência se tornou numa guitarra calada.
Mas não percas nisso o canto.
Daqui a pouco te levantarás da melancolia,
essa cama de equívocos onde o corpo se deita
cansado e que acaba por sequestrar o coração.
Enquanto os presidiários do fatalismo se encerram
nos labirintos da solidão, segue por outro caminho
em direcção ao sul, à casa e à claridade
onde os teus passos nasceram
em corrida para o rio.











eduardo bettencourt pinto
da outra margem
antologia de poesia de autores portugueses
instituto camões
colecção diáspora
2001



1 comentário:

firmina12 disse...

excelente poema, deste excelente poeta