8 de outubro de 2007

quase requiem






caminhamos na noite
como verbos sujos numa carta de amor

vencidos pelo tempo e pela luz
perdemos as sombras
e temos no rosto
a condenação das estátuas
a mudez dos seus lábios
o desespero fatal dos seus olhos secos
pela eternidade

que negros navios nos carregaram futuros, destinos
e nos largaram nestas ilhas malditas
nestas geografias podres
a que nunca pertenceremos?

que estranho sangue fizemos correr
nas nossas veias já mortas
ruelas de ruínas queimadas
escombros de palácios onde a alma nos morava
donde foi expulsa toda a esperança
e o sonho se esfumou como incenso no deserto

que brilhantes fantasmas nos tornámos
rindo dos espelhos e das águas
onde nos deixaram as raízes
que nos seguravam da loucura

estamos tão sós, tão podres de agonia
e medo!

o corpo lacrado à dor, as rugas escondidas do tempo
o amor apedrejado às coisas e aos outros
como uma moeda atirada da torre de tortura
duma cidade comida pela peste

que fizemos ao tempo de morrer
com uma mão na nossa mão?







1 comentário:

fernanda f disse...

Belo e comovente.