11 de março de 2008

geração x


DOUGLAS COUPLAND, GERAÇÃO X





morto aos 30 enterrado aos 70


(…)

«Tornei-me assexual e sentia o corpo virado do avesso – coberto de gelo, carbono e contraplacado como os mini centros comerciais, as moagens e as refinarias de petróleo abandonadas de Tonawanda e das cataratas de Niagara. Os sinais sexuais tornaram-se omnipresentes e eram repulsivos. O contacto visual acidental com marçanos de 7-Eleven revelaram-se carregados de significado vil. Todas as trocas de olhares com estranhos se tornaram na muda pergunta “É você o estranho que me vem salvar?” Faminto de afeição, apavorado pelo abandono, comecei a pensar se o sexo não passaria realmente de uma desculpa para olhar mais fundo nos olhos de outro ser humano.
«Comecei a achar a humanidade repelente, reduzindo-a a hormonas, flancos, protuberâncias, secreções e constrangedores fedores a metano. Nesta fase, pelo menos, senti que não tinha hipótese de continuar a ser o consumidor modelo ideal. Se, de regresso a Toronto, tentei viver das duas maneiras considerando-me livre e criativo ao mesmo tempo que fazia de bananas mandrião na empresa, também paguei o meu preço.
«Mas aquilo que realmente me apanhou foi o aspecto que os jovens podem ter aos nossos olhos, curiosos, mas sem rasto de fome do corpo. Adolescentes, até mais novos, que eu via felizes de fazer inveja durante as minhas jornadas agorofóbicas pelos centros comerciais de Buffalo ainda abertos. Esse olhar sem malícia tinha-se varrido para sempre de mim, bem o sentia, e convenci-me de que iria passar os quarenta anos seguintes no vazio, agindo por movimentos vitais enquanto ouvia o escárnio do barulho das maracas do pó de jovens múmias a bater dentro de mim.
«Okay, okay. Todos temos as nossas crises, senão, suponho, não seríamos completos. Não sei contar quantas pessoas conheço que se gabam de ter tido muito cedo a sua crise de meia-idade. Mas chega invariavelmente um certo ponto em que nos falta a juventude; falta-nos a faculdade; falta-nos a Mamã e o Papá. Por mim, nunca mais encontrei refúgio nas manhãs de Domingo passadas em quartos desarrumados, rugosos por causa do isolamento de vidro, a ouvir a voz do Mel Blanc na televisão, a respirar estupidamente vapores de xénon dos blocos de escória, a petiscar comprimidos de mascar de vitamina C e a atormentar as Barbies da minha irmã.
«Mas a minha crise não era apenas o fracasso da juventude, era também um fracasso de classe e de sexo e do futuro e ainda não sei de que mais. Comecei a ver este mundo como um sítio onde os cidadãos ficam especados a olhar, por exemplo, para a Vénus de Milo sem braços e a fantasiar sobre sexos amputados ou a aplicar por direito próprio uma parra à estátua de David, não sem que antes lhe tenham partido a piça para levar de recordação. Todos os acontecimentos se tornam presságios; perdi a capacidade de tomar seja o que for literalmente.
«Portanto, a questão toda era que eu necessitava de uma folha em branco e não tinha quem a lesse. Precisava de sair umas paragens adiante. A minha vida tinha-se tornado uma série de incidentes assustadores que simplesmente não se encadeavam para formarem um livro interessante e, Meu Deus, envelhecemos tão depressa! O tempo estava (e está) a fugir. Por isso pisguei-me para onde o tempo é quente e seco e os cigarros baratos. Como tu e a Claire. E cá estou.»








douglas coupland
geração X
trad. telma costa
teorema
1994