25 de setembro de 2007

os livros / irene lisboa


IRENE LISBOA, SOLIDÃO II



IDEIAS sobre o amor?

Sim, têm-se. E têm-se, sobretudo, horas violentas de amor, certezas e sonhos loucos.

Certezas! Mas que absurdo... As certezas são apenas nossas; pobres cálculos instantâneos e definitivos. Deliberações... A vida de súbito, refeita, alterada, liquidada, iniciada sem uma base, mas em outro estilo que não o velho...

O amor, é uma coisa fugaz e maravilhosa; dá-nos ao espírito uma tal capacidade de reforma, de criação de uma estrutura própria! Enfraquece-nos e subtiliza-nos, força-nos a infinitas abdicações, que não são propriamente negações, que são tentativas ardentes e inconscientes de recreação psíquica, de conformação com o tipo moral novo que se nos depara e nos agita. E uma espécie de corrida, de saída de um eu pessoal para um eu alheio — que afinal só desejamos captar, cativar, conquistar, render — rendendo-nos nós a ele...

Muda-se de terra, de meio, de época, e temos casualmente uma hora, uma dessas doces mas tão incertas tão avassaladoras e inseguras horas de ânsia amorosa... Hora infinitamente discreta e delicada, quase pueril, de favor e de mimo, mas dominante, enterrada no cerne da nossa sensibilidade, lavrando-o. Hora arrebatadora, imensa e breve. Sempre desiludida!

Porém o amor e o desejo nunca o são de um só; a partilha os assedia, misteriosamente fustiga. Toda a poderosa torça imanente da vida no-lo prova ou revela. Mil possibilidades compreensivas, receptivas, comunicativas nos atravessam, se nos oferecem. Sem logros, sem enganos... Há recíprocos acordos rápidos, inexprimíveis e inutilmente aclarados, impositivos. E porque é que os frustramos? Que traição nos fazemos!

Quando ela queria dizer sim, diz e/e não. É inevitável... Ou então, o contrário.

Perdem-se os passos juntos dados, que tiveram, sensível ou insensivelmente, uma harmonia tão subtil e cariciosa, a pressão doce e casual das mãos já esquecida, os olhares comuns, alienados. Os seres que se aproximam, retraem-se. Porquê? Que louco jogo é este da vida?

É perversa a natureza, ou a nossa realidade nos conduz fatalmente à negação?

O sol e a chuva, a paisagem da terra, que é a acidentalidade dos que por ela passam sem demora, as estrelas e o escuro da noite, o movimento alheio, o povo, o inconsciente imenso que nos aperta e nos abandona, que nos mantém acompanhados e sós, influídos e desinteressados, para quem e a favor de quê trabalharam? Demos-lhe um lugar enorme, uma aceitação fervorosa e poética, desdobrámo-los momentânea e quase absolutamente no nosso caloroso espírito... E eles que nos devolvem? Nada. Anulam-se, repelem-nos. Continuam existindo mas já vazios, aniquilados.

É isto, parece que é sempre isto, o amor. Uma labareda e um pozinho de cinza. Ímpeto e incerteza, calor e frio. Realizado, ou não realizado, é uma flor brilhante, que ninguém colhe, que ninguém guarda, de que todos conhecem o nome, apenas o nome...

Mais uma palavra dita, uma afirmação? Seriam inúteis. Amor concluído, amor iniciado têm ambos a mesma realidade: não duram.

Dos dois, homem e mulher, aquele que diz ao outro não, é o mais sábio. E o mais cruel. Tem a previsão, a lucidez fria dos permanentes destinos. O que esperou, o que sonhou, é o eterno tonto, sem domínio e deslumbrado, renascendo sempre para a ilusão.




irene lisboa
solidão II
portugália editora
1979





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